quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Viagem da vida

Pego em mim, no que sou e viajo. Dentro de mim apanhando o comboio da minha imaginação, ou por esse mundo fora, que me convida a não ser, um ser quieto. Sem fronteiras, onde cada dia nascemos um ser novo.
Sou árvore e sou vento,
nas raízes cresço, e,
a voar para lá das fronteiras,
me expando.

N a vida a essência é a viagem
A quela que fazemos connosco e, o seu
T amanho depende apenas do tamanho
A que colocarmos a nossa capacidade de nos desinquietarmos
L onge das fronteiras que nos muram a vista de quem verdadeiramente somos:

Sem fronteiras, onde cada dia nascemos, um ser novo, feito de raízes e de asas.

Se puderem, esta noite e nas restantes da vossa vida, partilhem o que têm, encham o coração dos outros de sorrisos e vivam felizes com a vossa essência.
Desejo-vos uma rabanada de amor 

sábado, 29 de novembro de 2014

Parabéns meu poema


Guilherme vou-te contar uma história. A tua. Desculpa ser longa. São 25 anos completos. E não cabem aqui. E aqui, felizmente, não é o twitter.

“You are the sunshine of my life” J
Há 25 anos, de visita ao hospital:
-Tem uma ruptura superior na bolsa d´água e vai ficar internada! (conversa de obstetra. Que sabem eles?)
-Ainda é cedo, o parto só está previsto para daqui a 12 dias! respondi convicta e sem deixar margem para dúvida aos médicos.
-Não! está para breve e não pode sair!
-Tenho de sair. Prometo voltar.
-Onde é que pensa que vai?
-Comprar uns chinelos de quarto, tomar banho e …buscar a mala, respondi em desespero de causa.
-Pode fazer tudo aqui e o seu marido traz-lhe os chinelos!
-Nem pensar. Tenho de ir a casa que é já ali!

Perante a minha insanidade temporária, a vontade irredutível, e como quase parecia o Obélix de gorda que estava, com medo de mim, deram-me um termo de responsabilidade para assinar. Ou isso, ou voavam das crocs com uma estalada do Obélix.

Caso nascesses entre a sapataria e o hospital, os médicos culpavam o Obélix. Saí a arrastar a pança, de perna aberta, numa triste figura, cheia de dores, com um futuro pai, desesperado e quase a ter um AVC, disposto a ser ele próprio a mãe a dar à luz, ou seja, escangalhando-me a beleza a caminho da sapataria.

Poucas horas depois, chinelos comprados, banho tomado, vários telefonemas feitos a avisar a família que os planos para receber o meu primeiro e único filho se antecipavam, com um pai à beira do ataque de nervos que originou um outro filme desconhecido do Almodôvar, dou entrada de novo, no hospital de Faro.

Na manhã seguinte, 29 de Novembro de 1989, acordo fresca a pedir para ir para casa. Estão a ver, eu é que tinha razão, afinal foi um falso alarme…
Qual falso alarme…o trabalho de parto decorria e eu não dava por nada. Com um livro me entretive, enquanto a natureza fazia o seu trabalho (não me lembro da história nem sei a razão…)

Para me distrair mais, ria-me e fazia rir. Pedi para me colocarem erva no soro, porque já não podia ouvir as mulheres lamurientas e queixosas ao meu lado…Não me ligaram. Aguenta! E em estado zen com o braço ligado à agulha! Sem espaço para fugir, fiquei à tua espera.

Horas depois, recebi um sms teu a dizer: mãe é agora! pedi para ir a correr ter com o médico para me ajudar a fazer cócó. Voei na cadeira de rodas e nem tempo tive de tirar o soutien…Foi um parto sexy em jeito de rapidinha (terás de ser tu a explicar o significado à Alice)!

Às 19:15 nasceu um conguito…
-Parece indiano. Tem os seus olhos, diz o médico.
-O padeiro é indiano…respondo esgotada de forças daquele momento esmagador na vida de uma mãe.
Nesse momento, o pai que tinha sido chamado de urgência a assistir ao parto e o perdeu por escassos minutos, entrou na sala e eu apontei para ele: cá está o padeiro!

Hoje há exactamente 25 anos, um quarto de século, que parece muito, mas foi ontem, o conguito transformou-se num belo homem. Tu próprio transformado em pai.
Filho de pai padeiro indiano sem ser uma coisa nem outra, mas de mãe disfuncional fez-se o que se pode. Com amor.

Chegaste um ser pequenino, delicado, frágil, introvertido, sereno, sempre num estado zen e muita preguiça.
Eu parecia uma leiteira pronta a mugir e foi necessário arranjar umas bébés, para dar de mamar e assim tu conseguires agarrar o bico da mama. Agradece por isso às tuas irmãs de leite, teres-te transformado num mamífero a beber leite materno até aos 11 meses.
A partir dessa data deixei de controlar na tua vida, o assunto mamas.

Fizeste um esforço tremendo para nascer, estavas de lado na pole position, mas tornaste-te forte, saudável e resistente. Recuperaste nas boxes. Sempre zen.
Um vulcão de criatividade em estado de aparente serenidade.

Desde o dia em que pulámos de alegria ao saber da tua vinda, até hoje, sinto-me honrada por me teres escolhido para tua mãe. Sinto-me plena e abençoada por me teres sido emprestado pelos Deuses e Deusas do Universo. Tenho um orgulho sem limites em ti.

Fico chateada quando me dizes: ”não mandas em mim, eu faço o que eu quiser” J Um filho nasce para obedecer à mãe J e tu contrarias essa suposta lei. Mas também dizes isso a toda a gente. Pensas pela tua cabeça. E ainda me orgulho mais por isso.

Tem sido uma aventura, ou direi antes, para ser fiel à nossa vida juntos: uma montanha russa.
Cheia de sustos, momentos delicados, avanços, recuos, discussões, sms cheias de emoção, asneiras, muitos abraços e beijos, desentendimentos, gargalhadas, gritos, partidas e regressos, muita conversa, mas sobretudo o maior amor que a vida nos dá a experimentar.

Contigo desperto a minha criança ao ver-te o olho brilhante, o coração recheado de sonhos, a alegria com que te entregas aos teus planos, a bondade do teu coração, a tua intuição apurada, a criatividade em ebulição, a reciprocidade, partilha e empatia que usas como princípios de vida e que te trouxe várias mãos cheias de gente linda para a tua tribo. Porque dás muito, recebes muito.
Seja o que for que estejas a fazer num momento colocas todo o teu entusiasmo e garra.
Não tens um sonho só. Quando um sonho se desmaterializa ou não se concretiza, já tens outro na manga. Tens um micro-cosmos de sonhos em cada momento da vida e apenas te encarregas de ver onde a vida te leva.
Esses são talvez os segredos do sucesso da vida, que não tem explicações para coisa alguma.

Aproveitas todos os momentos de felicidade. Como os orgasmos, sem pensares muito neles, vão acontecendo.
Fazes-me rir muito. Dizes-me como resposta aos problemas «a vida é mesmo assim» e eu questiono-me de onde te veio essa sabedoria?
Talvez do teu ser criança. E lá vem a minha criança abraçar-te. Hoje sou uma criança avó ainda mais radiante, quando te olho e vejo como pai. Sê sempre presente com amor na vida da nossa Alice e serás digno da riqueza que é ser pai.

Um dia ela vai querer saber de onde vieste e quem és. Não lhe contes a história da cegonha. Conta-lhe antes esta. É a tua vida. Baseada numa história real.

És o poema da minha vida. Se leres as quatro vogais da palavra poema, ao contrário, tens o poema que os filhos ensinam na vida dos pais: Ame-o.
Amo-te.

Espero continuar a aprender contigo, até perder a memória, a linguagem desta poesia que somos nós dois juntos.
Com este sentimento fico em puro estado de inexplicável felicidade interna.
Cantei-te “you are the sunshine of my life” quando nasceste e cantarei até ao final da nossas vidas juntos e além. És o sol da minha vida. Infinito vezes infinito.


Parabéns meu poema Guilherme.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Vida, África, eu

 


Ainda o sono, com o sono ensonado, apurou o ouvido ao ritmo da vida:

-temos uma relação, sabes não sabes?
-foi para isto que me acordaste?
-queres estar acordada comigo?
-estou a ouvir-te!
-tu plantas mas não sabes se dá frutos. Tens de me acompanhar, cuidar, estar atento, vigilante, acordado. E aceitar-me apenas.
-O que me pedes é tão difícil…
-Sou eu, assim. É o nosso acordo. É o meu ritmo que te leva.
-Eu não acordei nada contigo. Nem acordei ainda.
-Se resistes eu não vou desaparecer. Vou insistir…
-E se me desligo?
-Trago-te para a minha altura.
-Deixas tudo claro. Não controlo nada pois não?
-Não!
-Mas torço por ti. Esforça-te. Não desistas de ti.
-Vês? Não és fácil!
-Porque deveria ser? Se calhar perdias o meu sentido…
-E se fracassar?
-És maior que o fracasso. O fracasso só o é se não tentar. E nem assim é. Foi sim possível ser… porque tentou.
-Não me sinto com força para acordar.
-Nem as folhas no Outono são abandonadas. Aguardam uma nova estação para renascer…
-Tens a minha chave. Podes-me encontrar…
-Não sei se te perdeste de mim…
-Não sei eu se te perdi...
-Não sei se me perdi de ti…
-Perdemo-nos no momento em que nos encontrámos…
-Mas quero-te reencontrar. Estás-me atravessada no caminho. Da vida que sou.
-Habitas-me os sonhos e cada manhã que nasce, nasce contigo…
-Porque me estás grata…
-Acendes uma luz em mim digo-te eu.
-Aceitas-me?

-Quero-te! O sol nasceu.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Coragem

No meu jardim, entre o pátio e a horta, onde as flores e as árvores florescem e frutificam, vou aprendendo umas coisas, desaprendendo outras, continuando ingénua e inocente, não entrando nas veredas do caminho que me levem ao cinismo.

Mesmo com os acontecimentos na minha Ítaca. Que são apenas um espelho do mundo deste século. Um mundo parasita em relação à reflexão, à ausência de bondade, e à ausência de sobriedade.

Posso estar temporariamente desencantada mas não vivo sem encantos. Bastam-me 20 segundos diariamente. De “coragem insana”.

Para retomar o meu caminho encantado.

domingo, 2 de novembro de 2014

Por falar em liberdade...

Na busca pela liberdade,
E as verdades sobre quem sou,
Descubro-me sem pressa,
de retalho em retalho,
Aprendo o mundo com os que me querem bem
Aprendo o céu com os que têm os mesmos horizontes
Mas sobretudo apreendo o universo sobre mim mesma,
As grandes lições,
sobre os meus tangíveis limites,
as minhas incoerências e multiplicidades
quando me disputo com aqueles que são
distintamente diferentes de mim
até quem sabe, inimigos.
Redescubro-me,
com o tempo
e as lições,
com as utopias
(mais longínquas),
com Sonhos
(mais coloridos)
mais alta.
Acredito que a massa partilhada
que nos amassa,
é farinha de marca paixão.
Por todas estas razões
me convenço,
que a minha alma,
ansiosa por conhecer
as múltiplas verdades,
encontra a liberdade
em si mesma,
redescobrindo-se mais e uma vez,
na vida e suas lutas,
nos sonhos, nas utopias,
nos amores e desamores,
nos amigos e nos inimigos.
Com uma vénia agradeço
Quando: procuro, encontro, aprendo,
fico a saber,
que todos mereço.




sábado, 1 de novembro de 2014

Troncos e raízes da mesma árvore

A tradição celta (nossa) homenageia a véspera do dia dos mortos a 31 de Outubro e não abóboras,bruxas,doçuras e travessuras.
E hoje é o dia dos nossos mortos.
Tenho alguns, infelizmente demais, para homenagear. Infelizmente para mim, porque fiquei sem a presença deles.
Dizem os poetas que a vida é finita para lhe darmos valor. Demos-lhe então valor, através da vida que levamos, fazendo dela um momento importante de passagem. Porque a morte pode chegar mais tarde, mas chega sempre.
Aos que partiram deixo, de novo,a minha homenagem.
Troncos e raízes de uma mesma árvore.
Vida e morte
Como num pacto de sangue,
para a eternidade,
vida e morte,
irmãs siamesas
dão as mãos
em simbiose perfeita.
Um dia,
num dia único,
como tantos outros dias únicos,
a luz da irmã vida
extingue-se.
Nova luz se reacende,
A da irmã morte,
a iluminar um novo caminho.
O espírito eterno
supera-se, livre,
por fim.
Liberto do peso da matéria,
não é mais cego,
porque vê...
com clareza.
Já não mais tem medo,
porque se torna
apenas essência.
Memória.
Nos outros.
A irmã vida,
breve e ilusória,
transforma-se,
diante do trilho que pisamos,
a que chamamos, nosso caminho.
A imagem,
dela, vida,
a sua irmã morte,
vive ao seu lado, segura de si,
porque certa e infalível.
A lembrança de quem parte
Ah! essa terrível memória
que teima em se agarrar...
fica exilada,
na corrente que a amarra ao coração
de quem é deixado
com a irmã vida.
Até ao dia em que transformados em pó,
de estrelas,
em pequenos grão reluzentes,
a irmã morte,
reacende a sua luz
para a irmã vida,
e por fim,
se reencontram…
e como num pacto de sangue
para a eternidade,
tudo começa outra vez…

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O Mundo ao contrário

Tenho fome!
Tenho pressa!
de ver um ventre prenhe de esperança e entusiasmo
onde no seu seio assista a vida se nutrir devagar
onde a fome não seja uma arma de morte
onde o parto não venha da pressa de matar
para que o brilho que vem de dentro
não deixe de iluminar o caminho da vida
a minha metáfora para o mundo inspirada na beleza da pintura do meu sobrinho Sidney Cerqueira

sábado, 25 de outubro de 2014

Traços de momentos e viagens

Ontem, falei sobre o livro e deu-me que pensar: em viagens  :) 

Sobretudo na que estou agora a fazer. Talvez a mais importante entre as mais importantes. Registada num outro livro.
Quando entrei na estação do nascimento nem imaginava este empreendimento que seria a minha vida. No maior e mais perfeito relacionamento que a viagem da vida oferece.  Vida feita de olhares, cores, risos e brilho, em estações com gente. Gente que rega os meus sorrisos, planta sementes de amor, que duram uma vida, vê com sorrisos crescer os frutos e, limpa as lágrimas que caiem quando chegam os outonos e os invernos.
Como na natureza assim somos as estações por onde passamos, paramos, ficamos ou seguimos.
Tenho a certeza que esta é a razão para comprarmos o bilhete desta viagem. Visitarmos estações. Com gente. Tomarmos um cappuccino, ficarmos nelas, com elas, partilharmos risos, enxugarmos lágrimas e despedirmo-nos um dia. 
Para a viagem final. 
Os bilhetes nunca esgotam. para cada dia iniciarmos uma viagem ou continuarmos a nossa.
Quando a morte me chamar no quadro electrónico, vou roubar-lhe a avareza: matando-a com a beleza das cores das minhas viagens. 
Incluindo esta que agora faço entre montes de uma serra e amigos, que me deixam com marcas que guardo com avareza.

Obrigada a todos os que me semeiam, regam e colhem nesta viagem de vida. E são muitos. Todos os dias recebo colheitas.

Obrigada Luisa Silva e Jacinto Furtado por regarem as palavras a este meu livro,e, às letras que vão espalhando em meu nome. 
Obrigada Luís Joyce Chalupa e Cristina Stoffel por me darem esta estação actual. 
Obrigada a quem anda por aí a oferecer terreno às minhas palavras, lendo-as. 
E agora, também ao Jornal de Monchique que também me fará chegar a mais uns, que se ligarão a esta minha viagem.
Que é tudo o que um autor pode desejar: companhia sem avarezas enquanto dura o percurso da viagem.

sábado, 18 de outubro de 2014

"A poesia é para comer"

Encontro entre um homem e a poesia. Peça de teatro.

Um jardim frondoso de aloés, romãzeiras, relva alta. Cadeiras e mesas de ferro branco espalhadas aqui e ali, poeticamente espalhadas.
Grupos de cogumelos e trevos de quatro folhas saíam dos seus esconderijos, agradecidos à humidade da terra.

Pequenos pedaços de cortiça pintados, presos por cordas de sisal aos troncos das nogueiras, laranjeiras e limoeiros de todas as alturas. Alguns ramos tocam o chão, carregados de frutas, amarelo brilhante. Uma estaca de madeira, com uma garrafa de água cortada faz de bebedouro para os pássaros, junto a uma pequena fonte.

O silêncio é tranquilizador, quebrado pela fonte que deixa a água escorrer lentamente para a garrafa cortada. Ao fundo ouvem-se acordes de um piano.
O jardim cheira a jasmim e a erva-príncipe.

Um homem sentado numa das cadeiras de ferro, com uma caneca de chá pousada na mesa, lê em voz alta:

…”Sou uma impudência à mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer! “

A poesia sentada ao seu lado levantou-se, simulou uns passos de dança afirmando segura:

-Castrarei quem tentar castrar um poeta!
Alimento-me de poesia como prato principal da vida, em cada sobremesa das minhas refeições.
Bebo-a até ao final de cada garrafa.
Deixo-a marinar nas cortiças de poemas onde os sonhos repousam, ganham corpo e sabor.
Trago-a sem pudor.

O homem, alto, magro demais para a sua altura, de cabelos ralos e grisalhos, de olhar sombrio, duro com a vida, amaciou o olhar que se tornou da cor da erva doce e voltando-se para a poesia assegurou-lhe:

-Cada dia que passa, mais poesia me acompanha. Mais percebo sobre a vida, quando contemplo o florir de cada dia, como se fosse um poema.
Quando a vida é vulgar e arrogante, quando me coloca a caminhar sobre gelo fino, ou quando não me oferece uma saída…é quando mais preciso de poesia.
Quando me traz amor, liberdade, alegria, fusão com outras almas, ligação de pensamento com outros seres, é quando mais preciso da manifestação da poesia, porque o poema acontece, dentro de mim.

A poesia interrompeu-o docemente observando a emoção vinda daquele homem:

-Os poetas não precisam de estações. Nem de inspirações. A eles basta-lhes a vida. E ouvir a fonte interna, que corre ininterrupta, para além dos limites do coração, inundando-lhes o ser.
Bastam-lhes os sentimentos e as emoções para tão nobre arte ficar exposta.

Nasce a poesia, quando o coração se desfaz em pedaços sem conserto. Quando carregam por tempo demasiado o fardo imposto por uma vivência.
Na obrigatória convivência com aqueles outros que os perturbam. Quando a vida falha. E descompensa, desequilibrando.

Nasce quando um amor não é correspondido. Quando têm de se desprender de alguém que parte numa direcção oposta.
Nasce do fim do amor que a morte abraçou.
Nasce da morte física de um ser amado. Nasce quando se apercebe que é o fiel depositário do seu corpo e não o seu proprietário.
Nasce na urgência de se dar. Porque a poesia não lhe pertence. Nasce da consciência. De se saber inconsciente.
Nasce quando a alma chora porque se sente vazia
e como num milagre é inundada... por poesia.
Nasce a poesia quando o poeta se maravilha perante um milagre. Quando se espanta perante o brilho de um raio de sol a espreitar por entre nuvens matizadas de cinzento.
Qualquer espanto maravilhado é um poema.
Nasce quando lhe regressa o amor ao coração. Ao espírito, à alma.
E renasce ao seu estado de união e ligação com todos.
Nasce no desespero da alma. No sofrimento de quem não quer luz.
Quando o homem chora, no sal das suas lágrimas.
No doce e no sal, por todos os motivos, de dor ou alegria, nasce poesia.
Nasce quando vislumbra um novo olhar sobre a lua que nasce e o sol esconde.
Quando se deixa sentar, no colo do poema, em silêncio, e, observa a quietude.
E nesse silêncio encontra palavras que rompem poeticamente  inundando a seca vida dos que não são poetas.
Na vida daqueles que a sentem e se emocionam porque encontram a vida na poesia.
Em mim. Que me dou cada dia para que me encontram.

O homem com um profundo suspiro de compreensão e agradecimento à poesia falou sem a olhar directamente.
Ela, a poesia, rodeava-o em contemplação:

-É poesia que encontro ao observar os pássaros sentados no diospireiro carregado de frutos maduros. Na bagagem das suas asas trazem a sabedoria do mundo. Enquanto sem pressa ali se deixam despertar pela doçura das flores que os rodeiam.

As flores, as árvores, os frutos sussurram: comam-me, somos poesia.
Os riachos, os lagos, as nascentes oferecem a água com um doce cantar que inunda as emoções: bebem-nos, somos poesia.

Uma caixa de chocolates, um copo de vinho.
Um beijo, um toque, um olhar. Um assentimento, um silêncio. Um sorriso. Uma gargalhada. Um abraço. Uma carícia. Um murmúrio. Uma lágrima.
Em tudo vejo poesia.

Mas um poeta, esse transforma toda a vida em poesia.
E dela faz um poema: no esplendor de todas as estações.

na chuva e no frio, junto do fogo de uma lareira,
no brilho do sol, os pés amaciados pela areia da praia,
no mar que lambe docemente uma pele
no amarelo matizado do castanho do outono
no amarelo matizado do verde da primavera
no amarelo matizado do azul do verão
no amarelo matizado de vermelho do inverno

O poeta vai até ao limite do conhecido, lança-se com fé no abismo desconhecido e... renasce com a poesia.

A poesia tem de ser a minha companheira, inseparável, até ao final dos meus dias.
Dos nossos tempos.
Sem poesia não saberia como dizer, como fazer, ou o que fazer com o mundo.
Ah como eu queria ser poeta. Mas conformo-me...
porque vivo rodeado de ti poesia…

A poesia satisfeita por ter sido encontrada neste jardim mágico, por mais um poeta, abriu as suas asas e voou para encontrar novo coração, não sem antes dizer com voz serena e cristalina:

-Os poetas exprimem-me. Sabem sempre de onde vêm todas as emoções do mundo. E trazem-nas à luz pelas palavras. Da noite fazem dia.

Como a água seguem o curso inevitável, de desaguar em poemas.
Alimentam a música com poesia. Regam a poesia com música.
...Não castrem a poesia. Comam-na nas imagens. Bebam-lhe as palavras. Sorvam-na nos sonhos.

O Homem bebendo o chá que restava da sua caneca, olhando tanta beleza à sua volta, prometeu-lhe:

- Nesta viagem maior que é a minha relação, sempre em construção, comigo próprio, não vivo sem o alimento que me vem de ti, no poema da vida.

Contigo poesia…aprendo e estudo! Mergulho na sabedoria que me dás.
Não, não vivo sem ti. Nem quero viver.
Nem sem música que é ela própria poesia.

Muito menos sem os poetas.
Castrarei quem os tentar castrar.

O sol mansamente observava o homem, e, encostava-se lânguidamente ao ocaso, deixando um rasto de tons quentes entre o rosa e o azul, atravessando o laranja até ao vermelho.
Um poema escrevia-se no céu.

A poesia voltando atrás e fez o homem levantar a cabeça, agarrando-o no queixo:

-Vês ali? Saberão eles que a formação, em forma de asa de borboleta é um poema?

Um bando de pássaros cruzava o céu, por cima da casa, levando poesia na ligação migratória entre eles.

Tal qual a missão da poesia entre os homens: interligá-los.

Fim