terça-feira, 29 de julho de 2014

Poesia, Fantasia



“Fantasiar ajuda-nos a habitar no mundo, habitar a felicidade do mundo”, Gaston Bachelard

Disse-me a fantasia,
enfeita-te com o chapéu de sol
Atira o xaile pelas costas
E vem
Conquistar a poesia,

Se pelo caminho te cruzares
Com a fantasia
Da poesia

Primeiro tentamos,
Adoçar o café da manhã
Com beijos de mel
E nele encontramos poesia

Primeiro ganhamos
o outro
apimentando o almoço
com abraços de sabor forte
e neles encontramos poesia

Primeiro saboreamos a noite
Com o abandono do sono
Feito de almofadas
Nos nossos colos macios
E nele encontramos poesia

Primeiro partilhamos os sonhos
Sonhados acordados
Com os sinais que unem
As fantasias comuns ali contidos
e neles encontramos poesia

Primeiro percorremos
O caminho dos amantes
Que se descobrem indefesos
E nele encontramos poesia

Primeiro descobrimos
Os álibis de quando nos
Roubarmos a essência,
E neles encontramos poesia

Primeiro subimos ao telhado
para mais perto das estrelas ficarmos
e nelas nos fundirmos

Primeiro apaixonamo-nos
E na paixão encontramos poesia

E se no fim sobrar
O peso
da ausência do outro,
e a poesia connosco se encontrar

Então nesse momento
e apenas nesse momento
se o coração se perguntar
se já não é de si próprio
se ao outro pertence,
porque já só pertence à poesia

Deixamos a primavera instalar-se
Diremos aos botões um até amanhã
Enquanto esperamos as flores desabrochar
Porque encontramos fantasia
Na poesia
E felicidade na fantasia
E no cosmos da poesia
Podemos descansar

Se por outro lado
pelo caminho da mesa
Posta para dois
Se pela cama almofadada de sonhos
do café do pequeno-almoço
a poesia pela janela dos sonhos
se escapar,

então nesse momento
e apenas nesse momento de perda
da fantasia
diremos adeus
à fantasia revelada no poema
Que não se fez

poesia


terça-feira, 15 de julho de 2014

Diário de uma aldeia

Sob a forma de nota à tribU fica o convite.

A brisa suave e morna desperta o espanta espíritos que se embala num doce canto a abraçar-me bom dia. O astro rei espreguiça-se sem pressa e prepara-se para cobrir a aldeia com um manto quente. Dizem que se parece com o da minha África. Eu acredito. Porque me faz bem acreditar.
Com um olhar vagaroso até ao mar dou-lhe um lento bom dia.
Deixo-me embalar pela percussão dos sinos das ovelhas que me chega de perto da barragem.
O galo voltou a cantar anunciando ovos do tamanho de laranjas, de gema mostarda e espessa.
Ainda sem obter resposta do corpo adormecido, caminho lentamente em direcção ao odor intenso de hortelã pimenta.
Uma cesta repousa preguiçosamente na cozinha com produtos da quinta e das quintas vizinhas: courgettes, tomate, pepino, alface, salsa, beringelas, batatas pequenas, limões, pêssegos, ovos e oregãos. Hoje vou fazer um matabicho como gosto: mozzarella fresca com tomate e pepino coberto de oregãos, sumo de papaia e pêssego com bagas goji, canela e hortelã, ovos mexidos com salsa fresca e mozzarella para ficarem ainda mais macios.
Colho um pé da buganvília cor de beringela para enfeitar a mesa.
Não tarda tenho também a companhia dos diospiros na mesa do pequeno-almoço pois que já se fazem maduros.
No café a conversa decorre morna, sem preocupações de maior. A política do país deve ser tão desinteressante que se vive à margem.
Gostava de conversar com a senhora mais idosa da aldeia com 99 anos e que se sentou ao meu lado. Uma tarefa deveras complicada. Com o tempo a audição cansou-se como um velho amante e partiu para outros lugares. Mesmo tendo-o perdido a esse amante, ela ficou com o olhar de quem se quer manter fiel à companhia da terra viva.
Tem um problema disse-me. Já não consegue abrir o porta-moedas para tirar o dinheiro e pagar o pão caseiro que foi buscar. Mas o dono do bar ajuda-a. São velhos amigos.

Sou a atracção local, como um circo que se anuncia. Apenas não me fiz anunciar. Apareço para beber cerveja preta, ir à net, comprar cigarros, ler jornais e conversar. Com todos converso e respondo a perguntas.
Transmitem as novas uns aos outros, ali mesmo na minha frente: «veio para cá viver, ali prá casa do Luís».
Sorrio e volto para a minha escrita, numa espécie de diário da aldeia.
Dou corda solta à imaginação e imagino que me veem como uma foragida por um crime de sangue a refugiar-me nestes caminhos perdidos.
Nas aldeias todos querem fugir para a cidade. Por que carga de água uma “jovem” vem para uma aldeia quase perdida? A curiosidade está no ar. Quando me conhecerem vão perceber que não só não cometi nenhum crime, como gosto mesmo de aqui estar.

A cadela dos meus amigos anda a espalhar pela aldeia que eu sou a “cria da sua costela”. Ladra para quem se aproxima de onde estou. Incluindo os gatos. A estes têm-lhes ódio. Deve ser a natureza a pregar partidas…
Quando vem comigo dar um passeio salta e ladra em demonstração de soberba e posse: ela é minha!
É o momento em que fico nervosa ao ouvir: “tem de a prender para que ela não morda a ninguém que se aproxime de si”.
Se vierem tropas napoleónicas ou de outros estados invasores, não conseguirão entrar no pedaço do qual me assenhoreei. A esses, recomendo que se instalem confortavelmente no café da aldeia a provar o sabor dos bolos feitos pelos donos.
À cadela eu digo “fica”. Ela obedece. A eles também direi.
Como me disseram uns amigos suecos de visita por dois dias, em sueco “fica” significa, sentem-se, tomem um café, comam um bolo e deixem-se estar”.

Sente-se vida e, para quem pense que aqui a vida não acontece, como em qualquer lugar onde o ser humano se instale, paixões, traições, lutas, disputas, ciúmes, invejas, dores, perdas, felicidade e tristeza fazem parte da vida das gentes deste cantinho acolhido entre a serra.
Pedaço de terra que já me prendeu. Terra que dá flor de cerejeira mas não cerejas. No entanto tem as melhores ginjas da região.

“Sente-se a felicidade na tua voz” diz-me um amigo com quem falei.
Nunca foram tão apropriadas as palavras de Vinicius de Moraes: que esta felicidade seja “eterna enquanto dure”.
Nunca pertenci a lugar nenhum. Sou uma vagabunda de vida fácil. Sou de todos os lugares e todos os lugares por onde passei já me possuíram. Este lugar também já me tem refém.

Nos dias de vida simples e de muito trabalho a preparar o bem-estar de quem vier a ser acolhido nesta casa, a noite destapa-se e cobre-me com milhões de olhares que piscam enquanto me observam. E eu a elas. São as minhas amigas estrelas.
Sento-me no terraço em conversas lânguidas sobre os homens e o mundo. E sobre a simplicidade da vida a que todos deveríamos ter direito.

A cada dia que me chega, roubo um pedaço do meu aqui na serenidade deste lugar. Para o partilhar. A modalidade mais praticada nesta olímpica aldeia.





terça-feira, 8 de julho de 2014

Link da entrevista na RTP/África


claro que espero fazer chegar os meus traços a muita gente :)
deixo o link da entrevista que dizem que é "melhor do que falecer" :P

Obrigada TriBU pelas reacções de carinho que vou tendo.
Sem apoio de quem nos lê, ouve, partilha, vê, gosta e torna a partilhar,
as gentes das artes valem pouco.
Existimos para sermos nos outros a nossa melhor expressão.
Obrigada também por me irem lendo nos blogs e na página de contos.

http://www.rtp.pt/play/p1441/e159640/bem-vindos-2014

domingo, 6 de julho de 2014

Reciprocamente aos 50,

Nestes 50 passos por caminhos de pedras, areia fina, socalcos
e tantas, tantas pétalas
que a terra me vem oferecendo,
a minha vida em traços vincados cumpre-se suavemente

quando
em momentos de escuridão,
a luz vem sob a forma de gente
que me oferece gestos e palavras de amor e mais amor,

quando,
em momentos de sol,
gente faz-se acompanhar de batuques
com sons de alegria para acompanhar a minha dança.

Reciprocamente
quero continuar a ser
quando em momentos
que a lua desce na vida de gente que cuido,
o sol que chama para brincar
e iluminar com sorrisos.
A sombra que protege,
o vento que acaricia,
o agasalho que cobre,
o alimento que dá alento
a brisa que refresca
o amor que irradia

Amor e mais amor
me é dado,
Amor e mais amor,
continuarei a oferecer
com esta simples forma
vou cumprindo
a vida multiplicada por mil vidas
nesta vida que recebi emprestada
conquistando dela
o melhor de tudo.

Reciprocamente a morte que me aguarda,
emprestou-me
para viver uma vida real.

No dia que com ela me confrontar
agradeço-lhe na cara, rindo e dizendo sem medo,
existi sem que a tua sombra
me impedisse
de questionar tudo o que puder
e se puder, alguma coisa perceber,
de me fazer usar na reciprocidade
de me fazer viajar,

Aprendi a ganhar-te o sentido,
O único sentido que a vida tem: ser.

O meu coração pula
incontinente de júbilo,
agradecendo ao ritmo de cada um
da triBU,
nas tribUs que amo

Foi fácil chegar à leveza e doçura dos 50:
Numa forma de formas generosas com várias imperfeições e curvas que sorriem,
Barrou-se a forma com chocolate mulato misturado com pimenta das Índias,
Colocou-se em banho-maria uma taça em forma de coração e verteu-se a olho crú,
doses de imperfeições, lucidez, insanidades, ingenuidades, curiosidades sem peso, prazeres sem medida, intolerâncias, dores e preconceitos quanto baste,
Levou-se a lume brando, durante 50 anos
O bolo rico naquilo que quisermos que seja,
usado para realizar o propósito da existência,
tornou-se um bolo de prazer fácil e leve
para entreter o paladar.
Grata por me escolherem como parte da vossa passagem,
na sobremesa gourmet cheia de cores que é a vida convosco.






terça-feira, 1 de julho de 2014

Entrevista na RTP -ÁFrica

A entrevista "acabou de acabar" . A gravação do programa irá para o ar dia 7 de Julho, na RTP África às 16:50 no programa Bem Vindos..
Fui falando, acompanhando as perguntas...
sabem que sou uma conversadeira e tenho mil assuntos que me usam para serem usados nas palavras 
Em traços largos foi uma entrevista singular, bem disposta, bonita, leve mas com algumas coisas sérias também.
Como têm sido estes momentos mágicos na viagem da minha vida, em particular com este livro. 
Ficou muito por conversar mas se tiver passado alguma mensagem que importe nos quase 20 minutos fico radiante.
As palavras da jornalista no final encheram-me de contentamento: «ficava aqui o resto da tarde a falar contigo». 
Obrigada a todos. obrigada ao programa Bem-Vindos.