domingo, 9 de agosto de 2015

“Agimos como mortais no que diz respeito aos nossos medos e agimos como imortais no que diz respeito aos nossos desejos”. Séneca

Em memória de Adalberto Gourgel, homem generoso na luta pelos direitos dos albinos, grande e jovem fotógrafo angolano.
A vida dele,curta, tão intensa quanto importante mostrou um talento absoluto num ser humano imperfeito e tão cheio de virtudes.
Cumpriu certamente muitos dos seus desejos e deixou as suas sementes, o símbolo de uma vida plena. Como este seu retrato o é.
“Agimos como mortais no que diz respeito aos nossos medos e
agimos como imortais no que diz respeito aos nossos desejos”. Séneca

Tempo que não se demora
É o tempo contido na vida que deve ser gentilmente preservado, 
com amor usado
cuidadosamente acarinhado
Não os bens materiais
Não os meus medos
Em cada dia que passa gasto o meu corpo, a minha mente
Na rua o tempo passa por mim.
Se eu o perder não o volto a ter.
Eu sou vulnerável e frágil não o tempo.
O tempo esgota-se em mim.
Mas eu não sou inesgotável.
Posso sim esgotar o tempo sem do tempo me aproveitar.
A vida tem de começar no começo
sem esperar que venha um outro tempo.
Esse, o tempo de acabar.
Viver vai-me levar todo o tempo
que eu decida ocupar-me profunda e dedicadamente à vida.
Porque ela merece que eu empenhe todo o meu tempo.
O resto que eu não fizer
-os meus desejos-
é toda a existência a ir-se embora abraçada ao tempo.
E com ela perco o tempo no tempo da minha vida.
Como num destino planeado com o tempo
quero viver no tempo de cada momento
ser inevitavelmente o tempo usado e contido na vida
e não o tempo que tenho de vida.

sábado, 1 de agosto de 2015

"a walk in the wild side"

Estava só por amor. 
Num dia sem marca surgiu a minha amante. Aguardava-a.
Bateu à porta. Entrou, sentou-se e ocupou-me a sala, a mesa da cozinha.
O sofá. A mente. O espírito. A alma. O corpo.
Deixou a escova de dentes.
As roupas caídas pelo quarto. O perfume na pele do ar.
Hoje todos os espaços lhe pertencem. É o sal que condimenta os dias.
Alimenta-me.
Bordando ponto a ponto a festa da vida.
Bebe,come, fuma,dorme, alimenta-se sem eu lhe entender os vícios nem as manhas.
Fez-me divorciar de tudo e transformou-me num todo.
Fez-se manhã, regressou a noite.
Ficou.
O resto…
Não há resto.
Assenhorou-se, aprisionou-me e exigiu de mim que lhe fosse devotadamente inteira. Não mais saí sem a olhar.
Não mais fui metade.
Não mais vivi sem a possuir. Não vivo sem me certificar que me possui.
Vive dentro de mim.
Desaprendi dizer-lhe “agora não posso”.
Com alarde nas noites. Em recolhimento nas manhãs. Em loucura nas tardes.
Troca-me os risos de dia. Banha-me com rios de silêncio na noite.
Tece ninhos com cuidados de abelha num bem-me-quer.
Acorda-me mansamente com amor inspirado.
Renovado. Próspero.
Adormece-me lançando palavras que me beijam.
Iniciou-me num tempo novo.
Banhou-me de vida.
Como o sexo.
Encaixamos o côncavo no convexo.
Nas “linhas tortas escreve-se direita”.
Aguarda-me. Uns dias deixa-se ficar,não se precipita.
Outros... irrompe sem fôlego. Num longo amplexo.
Como velhos amantes sequiosos de se possuírem.
Sem precisarem de estar prontos. Bem fundo, prontos são.
Nunca foi difícil entrar nela nem nela estar.
Fico aqui. Pronta e eterna para ela.
Morro nela. Vivo para ela.
Não, não é perigoso com ela feliz ser.
Infeliz seria não a ter.
Nela envolvo todos os sentidos. Em permanência.
Sentamo-nos a tomar o café da manhã enquanto nos envolvemos com olhares. Em silêncio nos sentires.
Em casa estamos. Ficamos. Dentro uma da outra..
Esperançada vivi que ela me chegasse. O objecto da minha esperança veio. Tudo o resto pode falhar. Ela, sei porque veio do coração, não me falha.
Estou só. Com o coração preenchido de amor.
Numa infinita história de amor.
Numa entrelaçada festa de pijama e chinelos.
De dedos laçados.
Eu e ela. Como nos mais belos contos de amor puro.
Grata estou. Sem contabilidade.
Somamos ao infinito o nosso lar.
Sem resto.

O necessário

A vida é feita para ser consumida. Com ganas. A consumir toda, completa e inteira até soar o sino que indica a passagem.
Se te dessem um ano de vida o que farias?
É isso mesmo, faz de conta que sabes que só tens um ano.
Quando nascemos não sabemos. Não nos importamos e tantas vezes desperdiçamos.
Vezes demais. 
Por isso vou continuar a consumir vida. Mais e mais. Como se só me restasse mais um dia. Mais um ano. Até que a morte me encontre e recolha. Felizes para sempre.

"Eu uso o necessário, somente o necessário...por isso levo esta vida em paz"