Pacto entre
mistério e surpresa:
-Este é o
manuscrito, por ambos assinado num canto à imperfeição
Num silêncio
a alma transmitiu-me as suas palavras.
Para não me
perder na sua tradução,
escrevi-as
num sopetão:
-És o
mistério da vida. Ela a tua surpresa.
No intervalo
que o tempo me dá entre a
consciência
de mistério viver
e a surpresa
de acabar.
A vida é tão
estranha quanto bela.
Do que mais
gosto dela? (Olha-me de lado…)
Das suas
surpresas.
Um exemplo?
De repente, sem aviso prévio, termina.
É um
mistério!
Por ser assim
torna tudo mais frenético, mais insano, mais autêntico.
Para que me
tenha sempre empenhada.
Mais outro
exemplo?
Num passe
mágico surpreende-me com flores
nas suas
várias manifestações:
-uma história
de amor, um novo amigo, uma viagem, uma nova casa, um novo projecto, um novo
estudo, um filho, um neto, um talento desconhecido, um quadro, uma imagem, uma
praia, um livro
Se sempre
assim for torna-me descuidada, relaxada,
esperando
matreira a garantia de receber
que assim me
deixe ficar
enquanto o
corpo me pertencer,
sem que eu
pense nas suas surpresas
não apenas de
prazer.
Porque faço?
Que faço?
Que devo
fazer?
perfeita devo
ser?
ou procuro
alguém perfeito?
consegui-la-ei
perfeita?
Para esta
mina
que me disse
chamar-se vida
trouxe um
manuscrito e nele assento o que encontro:
pedras, pó,
escolhos e diamantes.
Em bruto.
Vou
descobrindo,
escavando,
esculpindo
lapidando
agora
largando o pincel, a tinta e o aparo
digo-lhe
suavemente:
-não, não
quero ser perfeita como o vento e as marés
a lua e o sol
enquanto se dançam,
Não, não
quero ninguém perfeito
cansado de se
mostrar perfeito a meus pés
Para não mais
ser surpreendida,
pela visita
entristecida da perfeição
e me manter o
mistério da vida
sento-me a
observá-la
contemplando-a
respirando.
Às vezes
surpreendo-a
Misteriosamente…
viro-a do
avesso,
descalçando-a,
desarrumando-a
despindo-a,
fazendo-a desaprender
até encarar
uma nova e perfeita surpresa
que a venha
engrandecer.
Ser perfeito
esgota-me a
alegria do olhar,
envelhece-me
os dedos da alma
que me
murmura a sua tristeza,
enruga-me a
pele do coração
levar-me-ia à
loucura
consome-me o
tempo que me resta,
faz parar os
impulsos das surpresas por descobrir
entardece o
encantamento do meu esculpir
No intervalo
que me concede,
estendo-lhe
uma toalha de quadrados,
aconchego-me
na sua maciez
afago-lhe a
planura
do ventre
prateado
dispenso o
copo que partilhamos
bebo-lhe o
vinho,
da boca pura,
enrosco a
minha língua
na sua língua
estreita
saboreio-lhe
a textura
sorrindo
sopro-lhe ao
ouvido:
sou o teu
mistério,
feito das
tuas surpresas
e não, não
quero ser perfeita
Sem comentários:
Enviar um comentário