domingo, 8 de fevereiro de 2015

De botas calçadas, mais uma viagem

Rompia vestido de vermelho intenso, o parto do sol pelo céu, quando os pés abandonaram os sapatos de Lisboa. Entristecia-me contente. Recomendei ao Comandante as palavras de um amigo quando de mim se despediu: "vai devagarinho". Assim, lentamente, poderei saborear as saudades do que deixo, do que levo.
Na bagagem Homero foi a Odisseia escolhida como companheira neste pacto de sangue que tenho com a vida. Dei-lhe licença para me conduzir. É o cordão que nos liga. Desta vez ela trouxe-me aos países baixos, conquistados ao mar por gente de elevada estatura e língua bárbara. É aqui que espero desabrochar junto com as tulipas quando romper a estação da renovação.
Um bilhete de ida que espero me traga muitos regressos à minha Ítaca. Ela que se torna neste momento o único monstro que engole os sonhos de quem nela se quer fazer homem. Por uma razão apenas conhecida dos Deuses.
Dela voo para acalentar o sonho vestido de esperança a gerar-se no ventre grávido da terra. Este é o Sebastianismo de um povo que há mil anos de nau, rodas,asas, ou botas consumidas pelo andar se faz grande, fora do ventre da sua terra mãe.
Eu sou uma dos seus filhos. Que da mãe se separa. Para ser como os outros filhos: viajante com os pés calçados de oiro, porque filhos ricos de férteis terras. E, em cada "off shore" vou guardar vários amores:o capital dos afectos nas tribos onde pertenço.
O meu coração é o passaporte onde registo os carimbos, os meus pés o cartão de embarque onde registo os destinos enquanto a minha alma faz o check in das experiências vividas e a minha escrita regista a inevitabilidade da partilha. Perguntaram-me: «não páras»? Sei de cor a resposta:
-Quando vier a glória de embarcar na última viagem com destino desconhecido levarei comigo um gps, um caderno de apontamentos, kilos ilimitados de bagagem afectiva, amores e vivências e as asas bem abertas.
E também botas gastas de andarem em viagem pela terra.
(Numa homenagem que presto a Vincent Willem van Gogh)
Posso dizer-vos que fui conquistada desde que aterrei. Ao nascer  colocaram-me um padrão: agora vou a mais um descobrimento.

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